Olá, pessoal!
Estou começando este blog com a intenção de registrar alguns textos...
Vamos começar e ver no que vai dar.
Sejam todos muito bem-vindos!
É só puxar a cadeira...

domingo, 10 de abril de 2016

Gosto da simplicidade.
Ela me desenha, conforta e fortalece.
Ela conta aos outros sobre a minha luta diária.
Essa tal simplicidade me convida a sorrir, ainda nos primeiros raios de sol,
Quando estendo para o café da manhã, minha surrada toalha de flores miúdas,
Quando recebo os dois mais lindos sorrisos de bom dia... abraços e beijinhos,
Quando vou e gosto ainda mais de voltar.
Por esse caminho, falando do que é simples,
Vou falando de amor...
Amor bordado na simplicidade de pequenos gestos.

Carla Xavier

Para a menina de tranças


Eu nasci naquela rua sem saída.
Acostumei a vez ou outra, ver a pequena rua cheia de carros. Gostava de ouvir a música que vinha, em várias vozes, rompendo a barreira dos portões gradeados e enchiam a minha casa. Música de igreja, eu sabia. Já tinha até ensaiado cantá-las em alguns momentos.
Às vezes, enquanto minha mãe trançava meu cabelo ou me ajudava com o dever, o som que vinha de lá era de reza...de choro, de tristeza.
Aquele lugar, do outro lado da minha rua, era vazio alguns dias e cheio demais em outros.
Num dia desses, em que a rua ficava sem espaço, me contaram que minha mãe tinha ido morar lá. Naquele outro lado da rua.
Não entendi muito bem por que. Diziam que agora ela morava com o Papai do Céu.
Puxa vida! Será que ele mora em frente a minha casa? E eu perdendo esse tempo todo olhando para o céu?
Fico daqui, olhando por entre as cruzes e por entre as flores que alguém esquece de vez em quando, esperando mamãe vir me ver. Lá deve ser tão legal, que ela até se esqueceu da hora da escola. Precisa trançar meu cabelo e me dar um beijinho!
Mas como ela não vem, vou assim mesmo, sem tranças, sem beijinhos...
Quero muito aprender a ler só para decifrar o endereço novo da minha mãe.
Quem sabe não escrevo uma carta?
Do alto do portão, já sei as letrinhas: C E M I T E R I O.
Vovó disse que um dia, nós vamos nos encontrar de novo.
Já deixei minha malinha pronta, quem sabe ela não aparece a noite e não vai pode esperar?
Já estarei pronta para irmos juntas!
E aí pessoal, nunca mais ficarei sem tranças e sem seus beijinhos!


Carla Xavier
Julho/2012
Foto de Carla Xavier.Já faz um tempo que Ele mora aqui…
Tomamos café juntos, nos primeiros raios de sol.
É nessa hora que ele me escuta, quando falo sem usar palavras.
Durante o dia o vejo nas árvores, no canto dos pássaros, na agitação do beija-flor.
Sirvo sempre um agradinho, coisas que aprendi com minha mãe: biscoitinhos de alegria para alimentar a alma.
Na chegada de um amigo, sorriso novo, de novo.
Reconheço seu olhar na fidelidade e no amor dos nossos anjos de quatro patas: Trovão, Raio e Chuvisco.
Ele está no alimento plantado e colhido com amor, que farta nossa mesa: energia para toda vida.
No final do dia, nos presenteia com o silêncio necessário ao descanso.
Acho mesmo que Ele gosta daqui...



Sinto saudades dos sorrisos,
daqueles dados sem pressa, sem urgência alguma.
Sorrisos oferecidos, cheios de calor.
Saudades do tempo da alegria.
Nossa casa, nossa praça, nossa cidade,
não tem sorrido mais.
Nossa família, aquela, de largo sorriso, chora.
Chora tanto que até soluça.
Chora de dor, de susto, de medo.
Mas seguimos chorando juntos,
um ombro daqui e dalí,
tentando colher pelos caminhos,
novos sorrisos brotados do amor.

Tio Geraldo,
Que tristeza, sô!


Esperar o tempo de Deus e o tempo dos homens
é um exercício de paciência e fé.
Aprendi que não tenho o controle sobre as coisas
e que a dor é uma inimiga que grita.
Grita alto e debocha da minha cara,
sacudindo a minha calma.
Aprendi que alguns jardins por aí,
não irão florescer mais,
mas recebem todos os dias,
a alegria das borboletas
e o canto assanhado dos pássaros.
Aprendo todos os dias
que não sei de nada,
que não tenho certezas
e que viver é assim...um salto de olhos fechados.

Como previsto e certo, o sol nasceu.
Ainda estou recebendo abraços, carinhos e mimos, que chegam a todo instante.
Sou grata a todos vocês que estiveram conosco na travessia desse mar bravio. Alguns nos deram as mãos, palavras, outros a oração, alguns, o sangue, logo ali, um abraço.
Todo mundo deu o que tinha...e o que foi preciso, estejam certos. Teve gente que se deu por inteiro e sendo assim, pela matemática da vida, se multiplicou em amor.
Está tudo guardado e registrado naquela “malinha” que a gente leva na vida, chamada gratidão...
A tempestade, com todo o medo que provoca, com toda a força que nos sacode, passou. Agora vem a calmaria de sentimentos, de lembranças, de atitudes, de significados.
Amanhã, certamente, o sol nascerá, só que agora, morno de saudade.

Ninguém mata a saudade.
Porque saudade não morre.
Ela é uma sobrevida que a gente ganha para seguir um pouquinho adiante.
Confirmo a cada dia o que já sabia: saudade começa mansinha, feito chuvinha fina.
Só nos resta o calor das lembranças, das fotos, das conversas, das músicas, das ações .
Por que não há ninguém que conhecesse minha mãe, que não tivesse sido tocado pelas suas delicadezas, suas gentilezas, sua generosidade.
Ela tinha um jeito todo seu de oferecer conforto, para o corpo e para a alma, fosse por um copo d’água que ela servia, e não pergunte como ela adivinhava que tínhamos sede ou fosse pelo silêncio da cumplicidade.
Só ela sabia o segredo do perdão. Do perdão verdadeiro. Só ela.
Mas o que me consola e acalenta os meus momentos na chuva, é a certeza de que, além da saudade, o amor também não morre.
Se saudade é chuva mansa, amor é tempestade.
Ainda não está tudo bem. Tento me concentrar em tudo que vivemos de bom, das nossas conversas, dos nossos planos, do carinho e do cuidado. Mas a força desses 66 dias de hospital está muito forte. Mas isso vai passar, eu sei. Só vai ficar a doçura, o amor, o carinho. Sinto ainda o cheiro do álcool que eu passava nas minhas mãos, a cada banho, a cada refeição, a cada carinho que eu fazia em você, para te proteger. Ouço as vozes e os gemidos noturnos, que muitas vezes você me mandava ir acudir, sempre preocupada com os outros. Penso nos momentos de CTI em que eu insisti em cantar para você, fazendo um esforço danado, (e vc sabe que para mim é quase impossível) para não chorar. Penso no quanto eu me apavorava, cada vez que vinha embora e você ficava lá. Penso nas pessoas que conhecemos por lá, alguns já tão amigos, porque amizade que nasce na dor, é mato que brota na chuva...parece crescer com mais força. Lembro das vezes que rezamos juntas. Comungamos juntas. Lembro do seu sorriso agradecido, quando eu mentia sobre as refeições e te dava a minha, um pouco mais temperada. Lembro da sua preocupação com seus netos e o quanto eles te amam. Como é duro para o coração da criança entender essas engrenagens da vida. Seu “Reizinho” será o juramentista na formatura, nessa terça-feira. Vou desmanchar, de orgulho, de alegria, de saudade.
Mas a vida segue assim...amor além da dor.
Penso na sua dor e me calo.
Penso na sua dor e agradeço por que chegou ao fim.
Não aguentava mais vê-la sofrer.
Penso na minha dor e rezo.
Por você e por mim.
Te amo.

Já tentei, mas não consigo mudar a foto do perfil.
Continuo abraçada com você, mãe.
Continuo segurando a sua mão.
Tem um tanto de blábláblá que todo mundo fala, inclusive eu, para seguir adiante. Frases prontas, programadas: “ela está melhor do que nós”, “pelo menos não está sofrendo mais”, “Deus sabe o que faz”. Mas é tudo blábláblá.
A gente tem que falar, precisa falar, mesmo sofrendo, tentando encontrar alívio.
A verdade é que a dor é de arrebentar, de tirar o ar, o ânimo, o prumo.
Quando a gente se distrai um pouquinho, ela volta e puft! te dá aquele soco no estômago.
O pior é a vontade que a gente tem de ficar falando da pessoa, sobre o que aconteceu, lembrar, reprisar e ninguém quer mais ouvir, achando que te faz bem não tocar mais no assunto. Sofrer menos, dizem. Como se isso fosse possível.
Aí você começa a falar sozinha, chorar sozinha.
Deus vai ter que me explicar direitinho essa estória da gente amar tanto e depois sofrer tanto, porque amou demais.
Sigo abraçada com você, mãe.






ANIVERSÀRIO


Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)


No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No TEMPO em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.


(...)

A carta. 
Quando eu era criança, ela era madrinha, não a minha, mas eu a chamava assim. Tia era outra, também querida, mas outra. A madrinha era só ela, a Célia, uma forma muito delicada e peculiar de adulto, daquele tipo que conversava sorrindo comigo, com a criança.
Quando cresci, ela não mudou. Como era bom. Pra mim, todas as vezes que tive o privilegio de estar com ela, era tão bom. Não sei quantificar tudo que ela fez pela minha família, pelo meu pai ou minha mãe...Eu poderia tentar até contar e jamais chegaria num número. Pessoa que se importa com os outros e sabe ajudar, demonstrar, sempre foi a tia Célia pra mim. Sempre presente. A madrinha que abençoa seus afilhados mandou uma carta para o Mundo que a cercava, enquanto esteve aqui. Nela escreveu sobre compreensão, amizade e alegria. Para o Céu, mando de volta: COM TODO MEU AMOR, MUITO OBRIGADA, TIA.

Para Cézar Augusto, meu tio/pai.

A casa das portas azuis

                   Não tendo mais casa de Vó, a cidade tão querida, já não nos acolhe como antes. 
               O abraço dado pelo portão já aberto, que sempre nos aguardava sorrindo, o aroma da comida preparada com tanto carinho, as risadas na varanda, em volta da mesa grande, a sombra fresca amarelo-amor da acácia, agora só estão na lembrança. Minto - a acácia continua lá, insistindo em florescer. 
             Entrar lá e ser nocauteada pelo silêncio me fez querer ensaiar, quem sabe, uma massagem cardíaca, revitalizadora. Algo que oxigenasse a minha respiração suspensa de saudade. Mas, quem diria, um sopro de vida me salvou.
             Em outro lugar sobrevivi. Naquela casa das portas azuis, afastada da cidade, encontrei a identidade perdida. Lá estão guardados tesouros que falam de nós. 
               Uma parede viva, onde as fotos sorriem e registram momentos únicos, inesquecíveis. Uma noiva, linda, apaixonada, oficializa uma história de amor. Crianças, agora adultas, contam sobre momentos de pura inocência. Irmãos, cinco mosqueteiros, nos dão lições de amizade. Um relógio cantor, por um tempo silenciado, mas que agora encontrou alguém que o encoraja em cordas diárias, a cada hora marcada, embaralha o que foi passado e presente. Alguns objetos, acolhidos pela sua utilidade de outrora: o abajur de cabeceira da Vó, que tantas vezes foi pedido de ajuda nas madrugadas, agora observa nosso sono tranquilo. A panela da sopa de galinha, antes sovada pela farinha e o caldo, figura como objeto bonito de decoração. A varanda ainda abriga as risadas poucas, é verdade, mas tão necessárias, energéticas.
                 No computador, uma pesquisa impressionante: um organograma cheio de raízes, troncos e folhas, retrato de curiosidade, trabalho árduo, beleza, dor e dúvidas . A surpresa das duzentas páginas escritas, prontas para vestir roupa de livro e a simplicidade tocante do “papel de bala”. Mais tocante do que um breve histórico escrito sobre o amigo-irmão mais velho? Nem sei mais. Nesse momento já estávamos afogados em lágrimas.
                   Para cada canto uma sensação, uma alegria saudosa. Para completar, cereja de bolo, o som do piano, companheiro de momentos inigualáveis. Alguns de extrema euforia e outros de extrema dor.
                Tudo isso encantado, se completa com o sorriso de quem nos recebe, de quem sempre cuidou de todos nós. Ele nos acolhe assim, não mais tão silencioso, não mais tão veloz, não mais tão levado, mas com colo de pai, de Vô, disfarçado de tio, com doçura de colo de amor.
                    Obrigada por nos guardar no seu imenso coração de portas azuis.

Carla Xavier
Janeiro de 2016